Parecer CEED/RS nº 323/99
Diretrizes Curriculares do ensino fundamental e do ensino
médio para o Sistema Estadual de Ensino.
I - Introdução
A Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional – LDB, Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
gerou larga expectativa, quando de sua publicação, pelas alterações que
introduziu no universo educacional brasileiro, especialmente no que se refere à
flexibilidade de organização do ensino e à ampliação da autonomia conferida às
escolas com a descentralização de decisões. O período de transição – durante o
qual a regulamentação da lei está se processando – estende-se já por quase dois
anos. As escolas têm aproveitado esse tempo para refletir sobre o seu fazer
pedagógico, buscando revitalizar conceitos, aperfeiçoar entendimentos,
reformular procedimentos e, especialmente, perquirir sobre possibilidades e
alternativas oferecidas pelo novo ordenamento legal.
Como elemento
importante da normatização complementar, por dizer respeito ao próprio núcleo
da escola, apresenta-se a definição das diretrizes curriculares. A LDB, em seu
artigo 9º, inciso IV, atribui à União: “estabelecer, em colaboração com os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a
educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os
currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica
comum”. Adicionalmente, o artigo 26 determina:
“Os currículos do ensino fundamental e médio
devem ter uma base nacional comum, a ser complementada em cada sistema de
ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas
características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da
clientela.”
As Resoluções nºs
2/98 (Diário Oficial da União de 15/4/98) e 3/98 (Diário Oficial da União de
05/8/98) do Conselho Nacional de Educação – secundadas pelos Pareceres nºs 4/98
e 15/98 da Câmara de Educação Básica daquele órgão – fixaram as Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e o Ensino Médio,
respectivamente. Através do presente Parecer, o Conselho Estadual de Educação
cumpre seu compromisso de manifestar-se sobre a matéria, regulando para o
Sistema Estadual de Ensino a complementação daquelas diretrizes.
2
– Passando as escolas, agora, a ter condições de definir os currículos de
ensino fundamental e de ensino médio, é imperioso que se incorporem a seu
cotidiano leituras e estudos sobre teoria de currículo – atualizando-se a
respeito de conceitos que presidem esse campo –, o pleno domínio das diretrizes
curriculares – conforme definidas pelo Conselho Nacional de Educação –, a
freqüente consulta aos Parâmetros Curriculares Nacionais e, especialmente, a
convicção de que um projeto pedagógico claro, coerente e assumido pelo corpo
docente é condição para um trabalho de qualidade.
3
– Este Parecer não se deterá em examinar a relação entre as finalidades da
educação nacional, os princípios que a regem e os objetivos específicos de cada
nível de ensino. Essa matéria, do ponto de vista prescritivo, esgota-se nas
manifestações do Conselho Nacional de Educação, uma vez que são espaço
privilegiado de regulamentação por parte da União.
Este documento dirige
seu foco para a orientação da escola, quanto ao tratamento das questões de
currículo na prática do cotidiano. Procura chamar a atenção sobre elementos
essenciais do pensar e construir currículo, sem, no entanto, pretender escrever
doutrina de currículo – matéria por demais complexa para ser enclaustrada num
texto que é, formalmente, normativo.
Examina, além disso,
alguns aspectos de natureza pragmática, como a administração do tempo, as
alternativas para uma estruturação mais flexível da parte formal do currículo,
a questão das transferências escolares e o controle dos órgãos educacionais
sobre as questões relacionadas com os currículos desenvolvidos pelas escolas.
II
– Por um conceito de currículo
4
– Na literatura pedagógica tem ganho espaço a discussão a respeito dos
conceitos de currículo e de suas condicionantes. Uma descrição da evolução
desses estudos, inclusive no Brasil, encontra-se em texto de Ireno Antonio
Berticelli, intitulado “Currículo: tendências e filosofia”. Nas
Considerações Finais, diz o autor:
“Hoje, as questões
curriculares estão intimamente conectadas aos problemas sociais e, em dias mais
recentes, aos aspectos culturais. (…) A tendência atual é aprofundar esta
questão, numa forte tentativa de eticidade perante as diferenças. A filosofia
pós-moderna contribui, sem dúvida, a refletir a contingência, a pluralidade, a
descontinuidade, o discurso, os recortes mínimos, as realidades pequenas: a
‘realidade real’. Fortaleceu a convicção de que a vontade de poder determina
rumos históricos, toma decisões, encaminha a história, dispõe dos corpos e das
almas para submetê-los aos interesses, à filigrana dos interesses manifestos e
ocultos nas mais recônditas fendas e fissuras, nos mais intrincados labirintos
produzindo inclusões e exclusões, deitando ‘olhares’, ditando normas
(normatividade) instituindo ‘realidades’.
“A sociedade
pós-moderna se caracteriza pela complexidade. A técnica é multifacetada: é um
mundo brilhante, luzidio, atraente, tentador, que traz conforto e felicidade a
um tempo e massificação e depressão moral noutro tempo. A massificação é
brutal. O currículo é o lugar dos eventos micro e macro, dos sistemas
educacionais, das instituições, a um tempo, e o lugar, também, dos desejos
mínimos, por outro. As decisões tomadas a respeito do currículo (micro ou
macro) afetam sempre vidas, sujeitos. Daí, sua importância.”[1]
Essa síntese expõe a
complexidade que envolve o centro em torno do qual gravita o universo da
educação escolar. Apreendê-lo como um todo e em suas minúcias requer estudo,
esforço e atenção.
O Parecer nº 4/98 do
Conselho Nacional de Educação, que fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais
para o Ensino Fundamental, ensina:
“Currículo:
atualmente este conceito envolve outros três, quais sejam: currículo formal
(planos e propostas pedagógicas), currículo em ação (aquilo que efetivamente
acontece nas salas de aula e nas escolas), currículo oculto (o não dito, aquilo
que tanto alunos, quanto professores trazem, carregado de sentidos próprios
criando as formas de relacionamento, poder e convivência nas salas de aula).
(…).”
Se a divisão do
currículo nesses três componentes é possível para fins de análise, é impossível
na prática do cotidiano escolar. Lá, o currículo será sempre a resultante
desses três elementos: aquilo que se deseja (seja do ponto de vista
prescritivo, seja do ponto de vista da intencionalidade dos sujeitos
envolvidos), aquilo que de fato se consegue alcançar (em decorrência das
circunstâncias concretas que condicionam o fazer e da postura e intervenção
pessoal de cada professor) e aquilo de que poucos, na verdade, se dão conta
(elementos culturais e ideológicos subjacentes a todo o pensar, sentir e agir).
Essa condição da escola a torna lugar de cultura, entendida cultura não como o
simples conhecimento acumulado pela humanidade, e nem mesmo como o conjunto de
modos de ser, pensar e sentir de uma dada comunidade, mas como expressão da instabilidade
e permanente mutabilidade do conviver humano, que a cada instante se
reconstrói, ressignifica e transforma. Currículo é, por conseqüência, “o
projeto cultural que a escola torna possível”.[2]
Currículo não é
somente uma relação de “disciplinas”, nem mesmo uma seleção de “conteúdos” a
serem aprendidos. Não se esgota, também, num conjunto de experiências de vida a
que os alunos têm acesso, durante sua permanência no ambiente escolar. É tudo
isso, sem dúvida, mas é, ainda, o conjunto de decisões de caráter
administrativo que estruturam os cursos, a presença ou ausência de recursos de
ensino, a disponibilidade, ou não, de livros-texto e de biblioteca escolar, a
predisposição, ou não, dos professores para trabalho em equipe, o maior ou
menor envolvimento dos pais nas atividades e nas decisões que dizem respeito à
escolarização…
Sendo o currículo um
projeto cultural ele é necessariamente dinâmico e mutável, na medida em que vai
sendo posto em prática. A própria prática – mediada pela reflexão sobre essa prática
– engendra as mudanças no currículo. Currículo é, assim, muito mais “processo”
do que “estado” ou “ponto de chegada de um planejamento”, a despeito de
permanências, como as prescrições formais emanadas da administração do sistema
de ensino.
5
– O currículo entendido como esse conjunto complexo de elementos está, por isso
mesmo, sujeito a múltiplas condicionantes, sobre algumas das quais é possível,
pelo menos em certa medida, intervir: o ambiente, os recursos, os professores,
o planejamento e a avaliação.
5.1
– Os professores: Ainda que as prescrições oficiais a respeito de
currículo fossem exaustivas, ainda que o projeto pedagógico da escola se
constituísse em vigoroso elemento polarizador das definições do currículo,
mesmo assim o espaço reservado, individualmente, ao professor – como
responsável pelas ênfases dadas aos diferentes conteúdos, pela organização das
situações de aprendizagem e pela avaliação dos resultados – é capaz de
confirmar, subverter ou negar os propósitos de um currículo, enquanto
construção do coletivo de uma comunidade escolar.
Uma concepção de
currículo como projeto cultural exige, por si mesma, que a escola adote um
estilo de trabalho que dê relevo ao esforço conjugado de seus professores,
enquanto equipe pedagógica. É como equipe que o grupo de professores terá de
atuar para, no decorrer dos processos envolvidos no agir pedagógico, exercitar
a reflexão sobre sua prática, procurando – através da análise – compreendê-la e
transformá-la.
Esse trabalho em
equipe implica, ainda, a destinação de tempo necessário à atualização e ao
aperfeiçoamento. São conhecidas as carências do processo de formação de
docentes, tanto em nível médio, quanto universitário. Enquanto não se for capaz
de levar a efeito uma honesta reforma nos modelos de formação (previamente ao
exercício profissional) existentes – e estranhamente refratários a mudanças –
será necessário recorrer à complementação dessa formação, com algum tipo de formação
em exercício. Uma alternativa valiosa, para tanto, são os estudos conduzidos
– na própria escola e com todo o grupo docente – sob a coordenação do serviço
de supervisão pedagógica.
Não deveria se exigir
demasiado pretender que o professor seja profissionalmente competente, em
termos de domínio da teoria que embasa seu fazer, dos conhecimentos próprios de
sua área de atuação e dos recursos didático-metodológicos por ela requeridos.
Há que se dar conta, todavia, que as exigências que se fazem hoje ao professor
não mais se esgotam nessa tríade.
A superação da idéia
de que as matérias podem ser tratadas como setores estanques e de que o
conhecimento do aluno se estrutura por justaposição de aprendizagens, quase
sempre desconexas, exige que cada professor tenha plena consciência das
inter-relações entre as diferentes áreas de conhecimento. Mas, mais do que
isso, o professor precisa se dar conta de que a essência de seu trabalho está
“na aquisição [pelo aluno] de competências cognitivas complexas, cuja
importância vem sendo cada vez mais enfatizada: autonomia intelectual, criatividade,
solução de problemas, análise e prospeção, entre outras. Essa afirmação é ainda
mais verdadeira para jovens provenientes de ambientes culturais e sociais em
que o uso da linguagem é restrito e a sistematização do conhecimento espontâneo
raramente acontece”.[3]
5.2
– O planejamento: Planejar currículo é estabelecer metas, definir
estratégias, fixar tempos, organizar espaços escolares com a intenção de
alcançar as finalidades dos diferentes níveis de ensino, tendo em vista as
finalidades maiores da educação nacional.
O planejamento
curricular não é, certamente, uma função da administração ou da supervisão
escolar, mas uma função do corpo docente e da escola como um todo. Seria
ingênuo, nesse sentido, supor que todas as escolas ou que cada escola reúna plenas
condições para levar a bom termo a tarefa. Em muitas situações, a escola
precisará da assessoria de caráter técnico a ser prestado pela entidade
mantenedora, em primeiro lugar, e pela administração do sistema de ensino, em
segundo.
Passar de uma situação
– em que planejar currículo era tão-somente elaborar uma grade dispondo um rol
de disciplinas com uma carga horária – para uma outra situação – em que
planejar currículo é um empreendimento cultural – requer competências nem
sempre satisfatoriamente presentes nas escolas.
5.3
– A avaliação: A avaliação é uma atividade intrínseca ao agir humano. A
pergunta, extremamente simples, que cada um se faz, em relação a qualquer
empreendimento, se deu certo ou não, é avaliação. Nesse sentido, a avaliação só
tem algum sentido se for feita com fins diagnósticos.
A avaliação escolar
é, pois, responsável pelo acompanhamento e controle sistemáticos da
operacionalização do currículo, visando a fornecer dados capazes de informar o
redirecionamento do planejamento e orientar o desenvolvimento curricular.
Avaliar – na escola – passará a significar, então, buscar informações capazes
de orientar a tomada de decisões a respeito do currículo e de sua
implementação.
Nem sempre a
avaliação realizada por quem executa a ação é a mais confiável. Haverá sempre
condicionantes importantes, capazes de desvirtuar seus resultados. Não é por
outro motivo que a avaliação externa se torna parte importante de uma avaliação
mais geral e abrangente.
Se a avaliação
interna tem suas limitantes, o mesmo se pode dizer, a rigor, da avaliação
externa. Talvez, por isso mesmo, devam as duas – a avaliação interna e a
avaliação externa – ser consideradas complementares.
Também nesse
segmento, além das formas institucionalizadas de avaliação externa – como os
exames nacionais (SAEB, ENEM, etc.) – a supervisão educacional das entidades
mantenedoras, sejam elas entidades privadas, Prefeituras Municipais ou o
Governo do Estado, e a inspeção afeta à administração do sistema educacional
têm importante papel a cumprir.
De modo geral, a
avaliação, na escola, tem sido referida ao aluno. Essa avaliação é importante
por se destinar a fornecer um diagnóstico ao professor, contendo elementos para
tomar decisões sobre a forma de conduzir o processo ensino-aprendizagem. Para o
aluno, a avaliação da aprendizagem fornece uma informação sobre seu desempenho,
orientando-o a respeito de aspectos que merecem relevo especial no seu estudo.
De outra parte, a
avaliação institucional raramente é exercitada de forma contínua e permanente,
mesmo que os Regimentos Escolares lhe dediquem um capítulo especial. Dessa
avaliação institucional deve fazer parte a avaliação do processo de definição e
aplicação do currículo.
Em todo o caso, da
avaliação depende a possibilidade de contar com dados capazes de informar a
tomada de decisões sobre o currículo. Se os dados não existirem ou forem de
validade duvidosa, o currículo ficará à mercê de pressentimentos e improvisos,
incompatíveis com a seriedade e responsabilidade com que a educação merece ser
tratada.
5.4
– O ambiente: Não será forçar conceitos se se disser que o ambiente
escolar deve ser ecologicamente conseqüente.
O Dicionário Aurélio
Eletrônico, ao conceituar o verbete “ecologia”, lhe dá uma primeira acepção
derivada da Biologia e, uma segunda, explicitando: “Ramo das ciências humanas
que estuda a estrutura e o desenvolvimento das comunidades humanas em suas
relações com o meio ambiente e sua conseqüente adaptação a ele, assim como
novos aspectos que os processos tecnológicos ou os sistemas de organização
social possam acarretar para as condições de vida do homem”.[4]
Um ambiente escolar
pode tanto acolher e predispor à atividade cultural, à convivência, à interação
entre os sujeitos, quanto pode expulsar ou distanciar as pessoas e embaraçar
suas atividades. Há um mínimo de “habitabilidade” necessária para que a
influência do ambiente sobre o currículo possa contribuir positivamente para
que os esforços conduzam ao resultado que se deseja.
5.5
– Os recursos: Não é difícil de perceber que grande parte do currículo
de uma escola é determinado pelos livros-texto adotados que, através da seleção
de conteúdos e da eleição de uma metodologia, consagram uma certa visão de
mundo. Entretanto, além do livro-texto, os demais recursos, de fato disponíveis
para professores e alunos, são igualmente determinantes: a existência de
biblioteca, incluindo hemeroteca e iconoteca – apropriada e acessível e com
adequado serviço de orientação ao consulente –, um laboratório equipado e
instrumentalizado, funcionando como local privilegiado de experimentação, um
setor de facilidades audiovisuais, com as máquinas e os equipamentos
necessários e contando com mapoteca, videoteca e fonoteca representativas, e –
cada vez menos prescindível – os recursos da informática, com acesso à rede
mundial de computadores. Ter e usar, ou não ter ou não usar significa falar de
currículos diferentes.
III
– Currículo e Projeto Pedagógico da Escola
6
– Se o currículo é “o projeto cultural que a escola torna possível”,
está explícita, em seu próprio conceito, a idéia de projeto[5],
considerado como uma criação da imaginação, uma declaração de intenções, uma
expressão do desejável.
Estabelecer uma
relação, portanto, entre o projeto pedagógico da escola e seu currículo, é um
passo que se impõe.
Na Justificativa que
acompanha a Resolução nº 236, que “Regula a elaboração de Regimentos
Escolares de estabelecimentos do Sistema Estadual de Ensino”, lê-se:
“O projeto pedagógico
é o sonhado, o idealizado. O Regimento Escolar é a diretriz orientadora. O Plano
de Direção, ou Global, é a agenda de trabalho.”
Pode-se, agora,
complementar esse conjunto, dizendo que o currículo é a implementação –
para dado momento e sob determinadas condições – do projeto pedagógico.
Enquanto o projeto pedagógico permanece sendo o horizonte mais amplo,
para onde a escola – e sua comunidade – dirige o olhar, procurando destinos, o currículo
é a tradução do “possível agora”, revelando estágios de aproximação maior ou
menor do ideal sonhado.
Já se disse, também,
que o projeto pedagógico se constituía numa resposta a um conjunto de
perguntas: “quem somos?”, “onde estamos?”, “para onde vamos?”, “como chegar
lá?” e “como saber que chegamos?”. Essas perguntas conduzem a examinar a
identidade da escola, a observar o lugar que ocupa no contexto social e
cultural, a definir sua tarefa e selecionar os meios para realizá-la e a
avaliar os resultados.
7
– Enquanto a construção do projeto pedagógico depende, basicamente, da
capacidade criativa da escola e de sua comunidade próxima – sem esquecer, é
verdade, as expectativas da própria entidade mantenedora –, o currículo –
enquanto concretização – depende de uma série de condicionantes, das quais as
referidas no item 5, o ambiente, os recursos, os professores, o planejamento e
a avaliação – são exemplificativas.
As relações de poder
que se estabelecem entre os diferentes atores constituem fator a considerar,
quando se fala de desejos e possibilidades. Nesse contexto cabe referência à
questão da autonomia que a Lei de Diretrizes e Bases confere à escola. Essa
referência é importante para estabelecer, com alguma clareza, a extensão e o
âmbito em que essa autonomia se exerce – considerados os termos da lei –, de
modo que dois embaraços possam ser evitados: ou compreendê-la mais abrangente
do que de fato é, ou imaginá-la mais restrita do que pode ser.[6]
É necessário
distinguir duas ordens de relacionamento da escola com interlocutores externos:
a administração do respectivo sistema de ensino e a administração da rede de
escolas a que pertença, ou seja, sua entidade mantenedora.
7.1
– O sistema de ensino – atributo distintivo da União, Estados, Distrito Federal
e Municípios – pode ser compreendido como a organização dos elementos
necessários para que seja cumprido o mandamento constitucional expresso no:
“Art. 205 – A educação, direito de todos e
dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”[7]
Examinando as
implicações da autonomia da escola, prevista na legislação, observa Mariza
Abreu:
“(…) para que o processo de construção da
autonomia da escola, entendido como uma descentralização do poder do Estado
para a sociedade no quadro de um novo regime de cooperação federativa, implique
em democratização e melhoria da qualidade da educação, duas condições são
absolutamente necessárias:
1º - a busca do ponto de equilíbrio entre as
diretrizes gerais e a margem de decisão de cada escola; e
2º - um processo permanente e incansável de
negociação entre todos os atores sociais envolvidos, aí incluindo entidades
representativas de professores, pais e alunos, e, especialmente, entre as
próprias escolas e os órgãos centrais da administração da educação.”[8]
É importante observar
que ambas as condições apontam para processos – e não para estados de coisa
dada ou concluída – situando a questão da autonomia da escola em relação ao
sistema de ensino em esfera, nitidamente, política e cultural.
De qualquer forma,
são inegociáveis os requisitos mínimos quanto a padrões de qualidade do ensino
e as diretrizes básicas comuns definidoras do que deve ser garantido a todos,
em termos de conhecimentos, competências e habilidades. Para, além disso, –
ainda que haja prescrição normativa –, é sempre possível, através de um
processo de entendimento, devidamente fundamentado, alcançar soluções que
venham ao encontro da efetiva necessidade da escola, de seus alunos e do
ensino.
7.2
– Não se diferenciam entre si as redes privada e pública quanto à natureza de
sua autonomia em relação ao sistema de ensino, porquanto os regramentos, no
caso, são de ordem geral. É outra a situação, quando se trata de estabelecer o
espaço de autonomia em relação às respectivas mantenedoras.
A própria LDB cuida
de estabelecer alguns parâmetros capazes de assegurar o exercício de uma
necessária autonomia por parte da escola pública. Vale a pena ressaltar esses
dispositivos, de modo a poder compreender seus efeitos e seus limites:
“Art. 3º - O ensino
será ministrado com base nos seguintes princípios:
(…)
VIII – gestão
democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas
de ensino;
(…)
Art. 12 – Os
estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de
ensino, terão a incumbência de:
I – elaborar e
executar sua proposta pedagógica;
II – administrar seu
pessoal e seus recursos materiais e financeiros;
IV – articular-se com
as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a
escola;
(…)
Art. 15 – Os sistemas
de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os
integram progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de
gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público.”
Estão evidenciados,
aqui, os elementos que, não só são capazes de dar suporte à autonomia, como
podem constituir obstáculo importante. Ficará, em grande parte, frustrado um
projeto pedagógico – e, com isso, empobrecido um currículo – se a escola não
dispuser de condições para resolver a contento as questões de pessoal docente e
administrativo imprescindível para levá-lo a termo, se não tiver autoridade
para gerenciar a plena utilização da carga horária desses docentes, ou se não
tiver à disposição recursos financeiros para implementar as ações planejadas.
O pessoal docente e
administrativo, sujeito às regras que comandam o funcionalismo público, pode
representar duplo óbice: uma vez pela falta de incentivo que, em razão de uma
remuneração longe de ser condigna, se traduz na carência de profissionais em
algumas áreas de conhecimento ou em certas regiões do estado e, outra, pelas
dificuldades que os mecanismos – pelos quais se estabelece o vínculo de emprego
– interpõem para que soluções possam ser encontradas com a necessária agilidade
e rapidez. Para a direção da escola resta, ainda, o encargo de descobrir a
forma de encontrar horas disponíveis para a realização de reuniões – exigência
inarredável –, para o atendimento de alunos que necessitem de estudos de recuperação,
atividades compensatórias de infreqüência e para a articulação com as famílias
e a comunidade, com vistas à integração dos mundos intra e extra escolar.
O estabelecimento ou
o aperfeiçoamento da legislação estadual e municipal, relativamente à gestão
democrática do ensino público, do gerenciamento do pessoal e da gestão
financeira são imperativos para que, na outra ponta, possa a escola cumprir sua
incumbência de elaborar e executar seu projeto pedagógico, traduzindo-o num
currículo relevante e significativo.
IV
– Qualidade do ensino e Currículo
8
– A Constituição federal estabelece como um dos princípios basilares do ensino
a “garantia de padrão de qualidade” (Art. 206, inciso VII). A LDB transmudou
esse princípio na seguinte formulação: “Art. 4º - O dever do Estado com a
educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: (…) IX –
padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade
mínimos, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de
ensino-aprendizagem”.
Esse desvio para o
material e quantificável é sintomático da dificuldade em conceituar qualidade
de ensino, como, de resto, qualidade, em si, por se tratar de uma
propriedade referida, necessariamente, a uma escala de valores. Dependendo da
perspectiva, da visão de mundo, dos interesses envolvidos, as escalas de
valores possíveis podem ser bastante divergentes.
Numa discussão
preliminar dever-se-ia estabelecer se se tem em vista uma educação de
qualidade ou se é suficiente tentar garantir um ensino de qualidade,
conforme definido no texto da lei.
Parece correto
estabelecer uma relação interativa entre recursos disponibilizados e resultados
da ação educativa, mas é certamente errôneo pretender estabelecer um vínculo
direto e necessário entre as inversões de qualquer natureza em educação e
qualidade dos resultados. Os recursos, importantes é verdade, funcionam, tão
só, como determinantes dos processos envolvidos. São os processos – para os
quais concorrem em alto grau a própria organização da escola, a capacitação dos
docentes e os planos de estudos estabelecidos – que acabam por determinar a
qualidade dos resultados. Assim sendo, o currículo há de ser elemento central
na preocupação com a qualidade da educação.
Confirmam esse ponto
de vista as inúmeras críticas que as escolas têm sofrido, endereçadas,
exatamente, para o seu núcleo: o currículo. Para alguns, a escola inchou seu
currículo – caracterizado como enciclopédico – afastando-se do essencial. Para
outros, a escola parou no tempo, não se adequando apropriadamente às exigências
do momento atual. Para alguns a escola não oferece possibilidades de atender
aos interesses individuais. Para outros, ainda, a escola é “conteudista”,
deixando de formar para o exercício da cidadania. Há um grupo, também, que
considera que a escola falha na “preparação para o vestibular”.
Todas essas críticas
– procedentes, ou não, em diferentes graus – têm a ver com o currículo.
9
– A alternativa que a LDB elegeu, em relação à formulação do currículo, privilegia
a definição de diretrizes curriculares, em oposição à Lei nº 5.692/71, que
determinava que o Conselho Federal de Educação fixaria o núcleo comum.
A opção pelas diretrizes
curriculares, e não por um núcleo de matérias, permite que o Brasil se
alinhe ao lado de um grande número de países que, por meio de reformas
educacionais, nos últimos tempos, têm passado a dar maior espaço de decisão às
escolas. Um informe da Organização para a Cooperação Econômica e o
Desenvolvimento (O.C.D.E) reconhece:
“Um currículo básico comum não é
necessariamente um currículo uniforme. Elemento chave no planejamento do
currículo é proporcionar uma variedade de caminhos em direção a áreas
importantes do conhecimento, das habilidades e valores, assim como diferentes
vias de saída que podem desenvolver interesses e capacidades individuais até os
níveis mais altos possível. Parte do planejamento deste tipo de diferenciação
pode ter lugar em escala nacional, mas é provável que resulte mais eficaz,
quando planejada e aplicada em nível de escola e guardando relação com as
necessidades de diferenciação de indivíduos e grupos específicos.”[9]
Mas, como em todos
esses países[10],
também entre nós acrescentam-se exigências e esperam-se competências adicionais
da escola, uma vez que grande parcela da responsabilidade pela qualidade da
educação lhe é transferida pela via das determinações curriculares que passa a
fazer.
Atribui-se à escola –
vale dizer, primordialmente, a seus professores – a tarefa de traduzir as
formulações contidas nas diretrizes em um plano de estudos que seja capaz de
oferecer as oportunidades de realizar aprendizagens, tanto em termos de
assimilação de conceitos e dados (conhecimento), quanto de instrumentos de
trabalho (habilidades) e capacidade de atuação autônoma (competências).
Falar desse conjunto
– conhecimento, habilidades, competências – implica trazer para o centro da
discussão os “aspectos qualitativos” no desempenho dos alunos a que a
lei se refere (Art. 24, inciso V, alínea a).
Sendo o conceito de qualidade
uma função dos valores e pressupostos subjacentes a qualquer avaliação, é
indispensável que tais valores e pressupostos sejam identificados, de modo que
passem a ter sentido os juízos emitidos. Assim, mesmo que não se possam esperar
dados absolutos a respeito da qualidade da educação, não se pode deixar
de exercitar a avaliação do currículo, com o objetivo de identificar fraturas
ou inconsistências que dificultam ou impedem que a escola cumpra seu papel
social, cultural e político.
Um dos perigos,
sempre presente, consiste na tendência das escolas a, simplesmente, se acomodar
e dar resposta àquilo que os mecanismos de avaliação lhe apresentam. O exame
vestibular desempenhou esse papel, por muito tempo, e, agora, entram em cena o
SAEB e o ENEM, entre outros. Se isso acontecer, a avaliação externa deixa de
ser uma verificação, para se tornar um referencial, deturpando, completamente,
sua finalidade.
A qualidade –
compreendida como resultante do nexo entre recursos materiais, organização
administrativa, qualificação dos docentes, planos de estudos e processos
didático-pedagógicos empregados – refoge de tentativas de estabelecimento de
padrões absolutos e precisa ser referida à situação concreta de cada escola,
enquanto única, culturalmente situada e condicionada. Quaisquer indicadores de
qualidade que venham a ser utilizados – como índices de evasão e repetência,
resultados em avaliações internas ou externas – ganham significado efetivo,
quando referidos, não a indicadores absolutos, mas a indicadores produzidos pela
própria unidade escolar, ao longo do tempo, buscando sua interpretação sob uma
ótica nitidamente diacrônica.
“(…) os desafios são em qualquer caso
maiores; as instituições podem ser modificadas através de uma decisão
legislativa; torna-se muito mais difícil mudar as práticas pedagógicas e
alcançar a participação ativa de todos os estudantes no processo de ensino e
aprendizagem.”[11]
10
– As Resoluções nº 2/98 e nº 3/98 da Câmara de Educação Básica do Conselho
Nacional de Educação caracterizam as Diretrizes Curriculares Nacionais como “conjunto
de definições doutrinárias sobre princípios, fundamentos e procedimentos” a
serem observados pelas escolas em sua organização pedagógica e curricular.
Remete-se, pois, à
escola a definição do currículo, observando, para isso, as diretrizes
formuladas naquelas Resoluções, cujo teor é essencialmente pedagógico. As
Resoluções não deixam espaço para interpretações de caráter
burocrático-administrativo e está completamente afastada a hipótese de
prescrição de uma “base curricular” como até aqui se vinha admitindo e exigindo.
Essa afirmação
inicial é importante, inclusive com o grifo, para que se possa, com isenção,
examinar a nova situação.
O texto das
Resoluções do CNE – e dos Pareceres que as acompanham – passa a ser o guia a
orientar as escolas na tarefa de definir seu currículo, sendo condição
obrigatória o total domínio de seu conteúdo, tanto do ponto de vista de
conhecimento, quanto de compreensão.
Este Parecer não
repetirá os termos daquelas Resoluções, mas o que aqui se faz é explicitar
algumas conseqüências – para colaborar na compreensão – e definir procedimentos
aplicáveis no Sistema Estadual de Ensino.
11
– Para o ensino fundamental, a Resolução nº 2/98 do CNE fixa as diretrizes
curriculares, efetivamente, no artigo 3º. O inciso I define três princípios
norteadores das ações pedagógicas das escolas; o inciso II traz para o
currículo a consideração da identidade própria de cada um dos atores ativos na
escola, assim como a consideração dos aspectos culturais, representado pela
identidade da escola e do sistema de ensino; o terceiro inciso reconhece a
relação dialogal como essencial para a construção da cidadania; o inciso V
expande o estabelecimento de relações para além da comunidade escolar; o último
inciso, o VII, ressalta elemento gerencial capaz de levar a bom termo a
atividade escolar.
12
– Os incisos IV e VI do artigo 3º da Resolução CEB nº 2/98 merecerão, aqui,
referência em especial. O inciso IV trata da “base nacional comum” e o
inciso VI, da “parte diversificada”.
O inciso IV determina
que “a base nacional comum e sua parte diversificada deverão integrar-se em
torno do que vise a estabelecer a relação entre a educação fundamental e: a) a
vida cidadã através da articulação entre vários de seus aspectos (…); b) as
áreas de conhecimento (…)”. Estão listados, tanto os aspectos da vida cidadã a
considerar (a saúde, a sexualidade; a vida familiar e social; o meio ambiente;
o trabalho; a ciência e a tecnologia; a cultura; as linguagens), quanto as
áreas de conhecimento (Língua Portuguesa; Língua Materna, para populações
indígenas e migrantes; Matemática; Ciências; Geografia; História; Língua
Estrangeira; Educação Artística; Educação Física; Educação Religiosa).
Essas listagens de
aspectos da vida cidadã e de áreas de conhecimento não são componentes de uma
“base curricular”, na acepção que se vinha dando a essa expressão, mas são
elementos que deverão ser inter-relacionados ao se definir o currículo do ensino
fundamental.
Na estruturação do
currículo, é importante a apropriada administração do tempo – da escola, no que
diz respeito ao cumprimento do ano letivo; do aluno, otimizando a utilização de
sua permanência no ambiente escolar; e do professor, para o correto
aproveitamento da carga horária de seu contrato de trabalho. Além disso, é
necessário distribuir, ao longo dos diferentes anos letivos – seja qual for a
organização adotada pela escola, em séries semestrais, anuais, por ciclos,
etapas ou módulos – os conteúdos programáticos, a planejada complexificação de
atividades e a crescente autonomia dos alunos no desenvolvimento de tarefas,
aquisição de habilidades e demonstração de competências. Esse conjunto
constitui-se, na verdade, num verdadeiro “plano de estudos”.
O Plano de Estudos é,
pois, a organização formal do currículo, conforme definido pela escola, que
relaciona as disciplinas ou projetos e atividades, atribuindo-lhes tempos,
abrangência e intensidade. O Plano de Estudos substitui a antiga “base
curricular”, com uma grande e essencial diferença: enquanto a “base curricular”
era um “documento” a ser aprovado, com caráter formalista e função burocrática
e administrativa, o Plano de Estudos passa a ser uma pauta de trabalho, em
torno da qual professores e alunos se reúnem para construir, ao longo do tempo
e de forma planejada, a educação.
No Plano de Estudos,
a escola fixará a maneira escolhida para oferecer a base nacional comum e a
parte diversificada. Essa escolha levará em conta as características do maior
ou menor adiantamento das turmas de alunos no processo de escolarização. Assim,
nas séries iniciais, os componentes curriculares do Plano de Estudos revelarão
um maior grau de integração e abrangência, enquanto, nas séries finais,
podem-se individualizar disciplinas com vínculos mais evidente com cada uma das
diversas áreas de conhecimento.
Ao contrário da
anterior “base curricular” em que os componentes curriculares apresentavam uma
individualidade quase absoluta, típica de um currículo construído a partir da
compartimentalização dos vários ramos do conhecimento, o Plano de Estudos
respeita e valoriza as conexões e inter-relações entre as diferentes áreas de
conhecimento, reforçado pelo tratamento transdisciplinar dos aspectos de
cidadania relacionados na alínea a) do citado inciso V.
Escreve Delia
Ramagnani:
“A transversalidade
se dá na escola e em seu cruzamento com a sociedade e o contexto: se educava
para a vida e a mesma era algo que não nos comprometia como pessoas. Os
conteúdos transversais são a educação em, em+a cidadania, em+a
sexualidade, em+a paz; não podemos falar em educação para a paz quando, como
instituições, não a temos em nosso meio e nos custa estabelecer relações de
diálogo e de respeito mútuo, e assim com todos os demais conteúdos.”[12]
O Plano de Estudos,
portanto, além de uma simples tabela, contendo uma lista de disciplinas com a
respectiva carga horária, é um autêntico plano de trabalho, que, além dos
aspectos de distribuição do tempo, leva em conta os conteúdos programáticos de
cada componente curricular – em termos de conhecimentos, habilidades e
destrezas –, sua relação com os demais componentes curriculares e a maneira
como, em conjunto, serão capazes de contribuir para a educação para a saúde, a
vida familiar e social, o trabalho, etc.
É importante, então,
perceber que a Resolução nº 2/98 não fixa a base nacional comum como sendo a
relação de áreas de conhecimento. A base nacional comum é a resultante da
relação entre o ensino fundamental – sua finalidade e seus objetivos –, os
aspectos da vida cidadã e as áreas de conhecimento. Esse conjunto é que deve
ser traduzido, pela escola, num Plano de Estudos que oferecerá a seus alunos.
13
– Ainda no ensino fundamental, a parte diversificada servirá para enriquecer e
complementar a base nacional comum.
Vale lembrar que o
artigo 26, § 5º, da LDB situa a língua estrangeira moderna, obrigatoriamente
oferecida a partir da 5ª série – ou do nível correspondente, de acordo com a
organização da escola –, como componente da parte diversificada do currículo.
14
– A Resolução nº 3/98, também da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional
de Educação, que “Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o
Ensino Médio”, sintetiza, no segundo artigo, os valores que a LDB elege
para serem, especialmente, desenvolvidos na escola e, no artigo 3º, especifica
a amplitude e aprofunda a compreensão desses valores.
O artigo 4º relaciona
as competências que cabe à escola desenvolver nesse nível da Educação Básica. O
5º artigo engloba considerações de ordem doutrinária. Os artigos 6º a 9º
encerram prescrições de ordem metodológica. Os artigos 13 e 14 tratam do
aproveitamento de estudos concluídos no ensino médio e de sua normatização.
15
– Os artigos 10 e 11 tratam da base nacional comum dos currículos do ensino
médio e de sua parte diversificada.
A base nacional comum
dos currículos do ensino médio é constituída de três áreas de conhecimento: a)
Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; b) Ciências da Natureza, Matemática e
suas Tecnologias; c) Ciências Humanas e suas Tecnologias. Cada uma dessas áreas
está, exaustivamente, descrita em termos de conhecimentos, habilidades e
competências.
Assim como no ensino
fundamental, cabe à escola elaborar o seu Plano de Estudos, definindo as
disciplinas através das quais garantirá a consecução de resultados em
conformidade com as diretrizes estabelecidas.
O ensino médio ganha,
através das diretrizes curriculares identidade própria, como remate da educação
básica. A função propedêutica continua importante, não como mero estágio de
preparação, ou adestramento, para o exame de acesso à educação superior, mas
como preparação geral para a atividade intelectual independente e autônoma,
requisito essencial para uma vida acadêmica que mereça esse nome. Mas sua
função transcende em muito esse papel propedêutico para abranger o exercício da
cidadania, em sua plenitude, e a capacidade de inserção no mercado de trabalho
com instrumentos capazes de permitir a multifuncionalidade, de modo a evitar
uma prematura especialização para atuar num mundo produtivo marcado por veloz
mutação.
Essa preparação
básica para o trabalho, indissociável da formação geral, resulta do domínio das
áreas de conhecimento, combinado com a própria condução dos processos de
aprendizagem, no ensino médio, conforme definidos nas diretrizes curriculares.
Assim, a preparação básica para o trabalho não pode ser confundida com a
formação profissional. Esta, por sua vez, pode ser atendida pelo ensino médio –
em articulação com a educação profissional – mediante a utilização da parte
diversificada do currículo
Assim como no ensino
fundamental, as línguas estrangeiras modernas integram a parte diversificada do
currículo.
Conhecimentos de
Sociologia e Filosofia, necessários para o exercício da cidadania, são objeto
de tratamento interdisciplinar e contextualizado, sem constituir,
obrigatoriamente, componente curricular individualizado.
16
– A parte diversificada constitui uma ampla faixa do currículo em que a escola
pode exercitar toda a sua criatividade, no sentido de atender às reais
necessidades de seus alunos, considerando as características culturais e
econômicas da comunidade em que atua, construindo-a, essencialmente mediante o
desenvolvimento de projetos e atividades de interesse.[13]
A parte diversificada
pode tanto ser utilizada para aprofundar elementos da base nacional comum,
quanto para introduzir novos elementos, sempre de acordo com as necessidades.
No ensino médio, é um espaço em que pode ser iniciada a formação profissional,
mediante o oferecimento de componentes curriculares passíveis de aproveitamento
em curso técnico da área correspondente.
Assim como para a
escola é importante poder contar com uma parcela do currículo livremente
estabelecida, assim também para o aluno essa pode ser uma igualmente importante
oportunidade de participar ativamente da seleção de um Plano de Estudos. Essa
possibilidade abre-se, especialmente, na medida em que a escola souber e puder
formular um Plano de Estudos que admita, pelo menos em certa medida, o
exercício da opção, pelo aluno, de determinados componentes curriculares.
O exercício de opção,
pelo aluno, pode acontecer em pelo menos duas modalidades: componentes
optativos e componentes facultativos.
As disciplinas
optativas são aquelas que, sendo obrigatórias, admitem que o aluno escolha
entre alternativas disponíveis, não podendo, porém, deixar de fazê-lo. São
muitas as escolas que já vinham oferecendo ao aluno a possibilidade de optar por
uma ou duas línguas estrangeiras, conforme o caso, dentre um leque de três ou
quatro oferecidas.
Cabe observar que, no
ensino médio, a exigência legal de uma língua estrangeira moderna obrigatória
não significa que deva haver uma língua indistintamente oferecida a todos os
alunos e que somente numa segunda língua possa haver opção. A obrigatoriedade
implica que a todos os alunos deverá ser oferecida pelo menos uma língua
estrangeira, sem significar que seja a mesma para todos. A escola que tiver
condições de abrir esse leque de ofertas virá ao encontro do interesse e das
necessidades dos alunos.
Mas as disciplinas
optativas não se esgotam no ensino de línguas estrangeiras, apesar de
constituírem o exemplo mais corriqueiro. Na área da formação profissional, a
escola também pode abrir leques de opções: isto é, o aluno completará o seu
plano de estudos pessoal, optando por uma área de concentração dentre as
oferecidas pela escola, como comércio, escritório, bancos, etc. Uma outra forma
de oferecer opções aos alunos está na estruturação do Plano de Estudos
referente à base nacional comum: dentre os alunos que, desde logo, pretendem
preparar-se para continuar seus estudos em nível superior, há aqueles que
aspiram a estudos acadêmicos na área das ciências humanas, outros na área das
ciências biomédicas e, outros ainda, na área das ciências exatas. O Plano de
Estudos pode proporcionar opções de ênfase – por exemplo, com cargas horárias
diferentes – para atender cada um desses interesses. Isso não significará abandonar
ou minimizar determinadas áreas, mas, sim, dar destaques ou realces diferentes
a cada uma delas.
As disciplinas
facultativas, por outro lado, são aquelas que o aluno acrescenta a um Plano de
Estudos que já satisfaz os mínimos exigidos pela escola. Uma primeira forma de
eleger disciplinas facultativas é adicionar ao plano de estudos pessoal alguma
das disciplinas optativas. Para exemplificar, o aluno que já tenha cumprido a
exigência da escola, escolhendo duas línguas estrangeiras, poderia enriquecer seu
plano de estudos, acrescentado-lhe mais uma. Na mesma linha, o aluno que – na
formação profissional da parte diversificada – optasse pela área de comércio,
por exemplo, poderia acrescentar mais uma disciplina ou duas da área de bancos,
e assim por diante.
É verdade que abrir
opções para os alunos requer que a escola tenha efetivamente condições para
suportar essa carga. Escolas menores terão bem maior dificuldade; para escolas
que funcionam em dois ou três turnos, as possibilidades aumentam.
De qualquer forma, é
importante que o aluno perceba que a construção de sua educação é também
responsabilidade sua, que não pode ser, inteira e exclusivamente, delegada a
terceiros, nem mesmo à escola.
O regime de matrícula
por disciplinas – uma das possibilidades de organização das escolas – pode vir
a facilitar esse processo, na medida em que se ampliam as oportunidades
oferecidas ao aluno, se considerar a possibilidade de buscar em mais de um
estabelecimento de ensino a integralização de seu plano de estudos pessoal.
17
– A fim de proporcionar à escola – e aos alunos – o maior espaço possível para
a autodeterminação dos planos de estudos, este Conselho não estabelecerá
conteúdos, disciplinas ou áreas de atendimento obrigatório. Fica, portanto,
reservada aos estabelecimentos de ensino do Sistema Estadual de Ensino a
prerrogativa de definir a parte diversificada de seus currículos, em
co-responsabilidade com a sua entidade mantenedora, atendendo às
características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da
clientela.
V
- d - Os Planos de Estudos
18
– Já ficou dito que o Plano de Estudos é uma parcela do currículo. Ficou dito,
também, que o Plano de Estudos é uma abordagem essencialmente pedagógica na
organização dos componentes curriculares e atividades educativas. Convém,
agora, complementar esse conceito, tornando mais prática a explanação.
19
– O artigo 12 da LDB, que explicita as incumbências da escola, inclui, entre
outras, as seguintes:
“I – elaborar e
executar sua proposta pedagógica;
(…)
IV – velar pelo
cumprimento do plano de trabalho de cada docente;
(…)
O artigo 13, por sua
vez, fixa como incumbências do professor, entre outras:
I – participar da
elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;
II – elaborar e
cumprir o plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento
de ensino;
(…)”.
O cotejo dessas
prescrições leva ao estabelecimento de uma relação entre a proposta pedagógica
– que é do estabelecimento – e o plano de trabalho – que é do professor. Assim
como, obrigatoriamente, haverá um projeto pedagógico – do qual derivará o
currículo –, assim, também, obrigatoriamente, haverá um plano de trabalho de
cada professor – objetivando concretizar o currículo. Entre o projeto
pedagógico e o plano de trabalho do professor se situa o Plano de Estudos, como
elemento ordenador, do ponto de vista pedagógico, do currículo da escola.
O Plano de Estudos,
para poder cumprir esse papel ordenador do currículo, deverá conter a tradução
das Diretrizes Curriculares Nacionais em um conjunto de atividades e
disciplinas, ordenadas quanto à seqüência em que devem ser cursadas ou
distribuídas no tempo e caracterizadas quanto aos seus objetivos, amplitude e
profundidade.
A ordenação
seqüencial das atividades e disciplinas será preferida pelas escolas que não
adotarem o regime seriado (anual, semestral, …) e a distribuição no tempo será
conveniente para os que adotam regimes seriados. A combinação de ambas as
modalidades também é possível, se isso convier aos propósitos da escola.
A caracterização de
objetivos, abrangência e amplitude das atividades e disciplinas é informação
essencial, para que o professor tenha uma orientação clara para a elaboração de
seu “plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento”.
Essa caracterização poderá ser feita, ou sob a forma de “ementa de disciplina”,
ou como “programa da disciplina”, ou outra forma capaz de cumprir o papel de
atribuir conteúdo e significado à atividade ou disciplina. Na elaboração dessa
ementa ou programa, a consulta aos Parâmetros Curriculares Nacionais – ou
outros – será essencial.
Assim, em lugar de
uma simples “base curricular”, contendo uma relação de nomes de componentes
curriculares a que se atribui uma carga horária, os Planos de Estudos
constituem-se em uma visão clara do que vai ser estudado, quando
vai ser estudado, por quanto tempo será estudado e quais os
objetivos, os conteúdos e a profundidade do que vai ser estudado.
20
– Cada escola poderá vir a ter, em seu catálogo, múltiplos Planos de Estudos
relativamente a cada nível de ensino, sempre de acordo com as necessidades da
clientela a atender. Além disso, um Plano de Estudos, ele próprio, poderá
conter uma multiplicidade de opções e alternativas, de modo a amplificar a
autonomia do próprio aluno na definição de seu plano de estudos pessoal.
Essas são
possibilidades, cuja concretização estará condicionada pelas reais condições
com que a escola poderá contar, de acordo com os recursos que sua entidade
mantenedora lhe propiciar.
21
– Ao elaborar os Planos de Estudos, as escolas terão de levar em conta
elementos adicionais, especialmente para definir os objetivos, abrangência e
amplitude de atividades e disciplinas. Relevantes, nesse contexto, são os
conhecimentos aduzidos pela psicologia cognitiva e pela psicologia evolutiva e
os dados mais recentes oferecidos pela neurociência.
Uma das conseqüências
maléficas do currículo departamentalizado em disciplinas estanques com que
vinha se trabalhando até aqui é que, com raras exceções, a escola não mais
sabia fazer educação, contentando-se, na maior parte das vezes, em
proporcionar aulas.
Na parte 5, seções
5.1 e 5.2, deste Parecer, enfatizou-se que as Diretrizes Curriculares Nacionais
não são,meramente, uma relação de matérias, mas uma construção a partir da
complexa rede que constitui o relacionamento entre os diferentes níveis de
ensino, aspectos da vida cidadã e as áreas de conhecimento, tendo por pano de
fundo as finalidades e os princípios da educação nacional. Os fios que dão
unidade a essa trama são os princípios estéticos, políticos e éticos – a
Estética da Sensibilidade, a Política da Igualdade, a Ética da Identidade – e
os princípios pedagógicos – Identidade, Diversidade e Autonomia,
Interdisciplinaridade, Contextualização.
Com isso, os Planos
de Estudos constituirão um verdadeiro projeto educativo, cujo horizonte se
situa bem além da estreiteza de uma “base curricular”.
VI
– Administração do tempo
22
– A LDB fixa em 800 horas letivas anuais a carga horária mínima a ser cumprida
pelas escolas, determinando, ainda, que essa carga horária deverá ser
distribuída ao longo de, também no mínimo, 200 dias letivos.
A Resolução nº 3/98
do Conselho Nacional de Educação prescreve que, no mínimo, 75% dessa carga
horária seja destinada ao desenvolvimento da base nacional comum. Além disso, o
que ultrapassar, no ensino médio, o total de 2.400 horas pode,
indiferentemente, ser destinado, pela escola, para a base nacional comum ou
para a parte diversificada.
Na prática, isso
significa que a escola deverá, em qualquer caso, destinar, no mínimo, 600 horas
anuais para o desenvolvimento das disciplinas relacionadas com as áreas de
conhecimento integrantes da base nacional comum. A partir desse patamar mínimo,
a escola pode, livremente, utilizar a carga horária como melhor lhe aprouver.
A Resolução nº 2/98
do Conselho Nacional de Educação é omissa quanto ao tratamento a ser dado ao
tempo. Convém, por isso, e para clareza, determinar que, no ensino fundamental,
se utilize o mesmo critério que preside a distribuição da carga horária mínima
obrigatória no ensino médio.
VII
– As transferências escolares
23
– Num contexto de liberdade, em que as escolas, além de poderem se organizar,
atendendo, a seu juízo, às necessidades da comunidade a que servem, podem
também definir os Planos de Estudos de seus alunos, é natural e inevitável que
uma grande variedade de soluções venha a se apresentar. Essa variedade, longe
de ter de significar caos, pode significar riqueza. Assim é que a riqueza e a
diversidade terão de ser administradas.
É evidente que isso
não poderá ser feito com uma abordagem de caráter burocrático ou legalista, mas
terá de ser presidido por uma aproximação, essencialmente, pedagógica. Isso
significa trazer à luz toda a importância e dimensão da “reclassificação”,
prevista em lei.
A reclassificação
ganha sentido na medida em que se trata de localizar um aluno, oriundo de um
modelo de organização de escola, no nível correspondente a seu adiantamento em
escola com outro modelo de organização.
Considerando o
significado do currículo no contexto global de um estabelecimento de ensino, os
Planos de Estudo fazem parte de sua organização, porque são expressão de suas
escolhas e de suas possibilidades na concretização de seu projeto pedagógico.
Assim, para realizar adequadamente a reclassificação de alunos, a escola deverá
observar com muita atenção as informações que o aluno traz a respeito do
currículo que já cumpriu, para não incorrer no erro de, simplesmente,
localizá-lo em determinada etapa com base na nomenclatura dos componentes curriculares,
do número de anos escolares que já cursou, ou da carga horária que tenha
cumprido.
VIII
– Planos de Estudos e sua aprovação formal
24
– Até há pouco tempo, no contexto da legislação anterior, as “bases
curriculares” integravam o Regimento Escolar e eram, junto com ele, examinadas
e aprovadas pelo órgão próprio do Sistema Estadual de Ensino que era, no caso
do Rio Grande do Sul, o Conselho Estadual de Educação.
A Resolução CEED nº
236/98, que “Regula a elaboração de Regimentos Escolares”, já separou,
formalmente, o Regimento Escolar e as “bases curriculares”. Com as presentes
diretrizes curriculares, e superando, também, o conceito de “bases
curriculares”, pode-se dar o passo seguinte na transferência de autonomia e
responsabilidades à escola, removendo a obrigatoriedade de apresentação dos
Planos de Estudo para aprovação por este Conselho.
De fato, as
Diretrizes Curriculares Nacionais, tanto do ensino fundamental, quanto do
médio, esgotam a normatização da matéria. Compete à escola traduzi-las em currículos,
conforme definidos neste Parecer, e parte dos quais são os Planos de Estudos.
Ao exercer essa
competência, a escola o faz sob a responsabilidade da respectiva entidade
mantenedora. Com isso, é de estabelecer que os Planos de Estudos elaborados pela
escola sejam examinados e aprovados no âmbito de sua entidade mantenedora,
conforme ficar estabelecido no Regimento Escolar.
Essa aprovação, em
última instância, pela entidade mantenedora tem, ademais, por conseqüência
comprometê-la, responsabilizando-a pelo fornecimento dos meios – materiais e de
pessoal – para levar a termo a promessa de serviço à comunidade, implícita ou
explicitamente contida nos Planos de Estudo.
Nas escolas
estaduais, a responsabilidade final será do Governo do Estado que fixará, mediante
ato apropriado, os procedimentos a seguir. Nas escolas municipais, em que a
responsabilidade última recai sobre a Prefeitura Municipal, idêntica
providência será adotada. Merece, neste ponto, ser relido o que ficou dito no
item 7 sobre autonomia e suas condicionantes – de modo a evitar que uma
normatização desnecessária ou equivocada venha, na prática, a retirar qualquer
possibilidade de verdadeira autonomia.
Nas escolas da
iniciativa privada, cada entidade mantenedora disporá sobre a forma de processar
a aprovação dos Planos de Estudos de seus estabelecimentos, o que deverá,
inclusive, ficar regulado no Regimento Escolar.
IX
– Inspeção Escolar e currículo
25
– A atribuição de mais ampla autonomia às escolas não remove a obrigação do
Estado de exercer o controle de um serviço público por natureza, seja ele
oferecido por estabelecimento oficial ou privado.
A Constituição
federal, ao estatuir que “o ensino é livre à iniciativa privada” –
excluindo, com isso, qualquer possibilidade de interpretar o ato de autorização
para funcionamento como uma concessão de serviço público ou permissão para que
o ente privado empreenda uma atividade que está sob o controle do Estado –
estabelece duas condições, além da própria autorização: o cumprimento das
normas gerais da educação nacional e a avaliação de qualidade.
Ora, é exatamente em
torno desses dois aspectos – cumprimento de normas e avaliação de qualidade –
que se estrutura a função de controle do Estado. E, nesse sentido, nunca
restrita à escola de iniciativa privada, mas necessariamente abrangendo todo o
universo de estabelecimentos.
No Sistema Estadual
de Ensino urge que se atualizem as normas que regulam a inspeção e supervisão
dos estabelecimentos, não só para adequá-las à legislação vigente, mas para
que, de fato, e novamente, possam vir a colaborar no processo de melhoria da
qualidade do ensino. A inspeção escolar, longe de representar um aparato
policialesco, precisa ser compreendida como meio de garantir a oferta do
serviço educacional em obediência aos requisitos que o tornam regular.
A reformulação das
normas relativas à função de inspeção deverá, inclusive, contemplar seu papel
em relação à verificação da correção dos procedimentos adotados pela escola e
sua entidade mantenedora quanto à definição de seu currículo e a estruturação
dos Planos de Estudos.
X
– Conclusão
A implantação do
regime instituído pela Lei nº 9.394/96, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, é a oportunidade que nos está sendo dada para reformular a escola
brasileira. Não se trata de mudar para, apenas, fazer diferente. Trata-se de
mudar para superar os pontos de estrangulamento que impediam a escola de ser
escola de qualidade.
É fundamental, no
entanto, lembrar que:
“Educacionalmente,
cabe distinguir ao menos dois aspectos: uma mudança que afeta o sistema como um
todo, não altera, necessariamente, a prática de organização em nível de escola;
a reforma da organização não passa de um ingrediente a mais na revitalização do
ensino e da aprendizagem nas escolas.”[14]
Este Parecer tem
insistido na necessidade de a escola – professores e comunidade – se empenhar
num processo coletivo, de equipe, para definir um currículo capaz de
representar um autêntico projeto cultural. A despeito da importância de
elementos como remuneração de pessoal, condições físicas das instalações e
adequação de recursos materiais, disponibilidade e diversidade de recursos
didáticos não se pode esquecer que o centro, o núcleo da escola está sempre no
currículo. Currículo que é, na verdade, o projeto cultural que se tem, a
seleção de conhecimentos que sejam significativos, a escolha das atividades
propostas aos alunos, a metodologia empregada pelos professores, as relações
que estabelecem os professores entre si e com os alunos e a comunidade de pais…
Muitas vezes tem sido
repetido que o papel da escola perdeu grande parte de sua importância, nos dias
que correm, em razão da multiplicação de fontes de informação disponíveis. O
que não se diz é que a informação disponível é caótica, desconexa e incoerente.
Para transitar da
informação para o significado, da percepção para o julgamento há um passo
adicional a ser dado – aprender a avaliar e utilizar toda essa informação com
base em critérios. Um dos novos papéis da escola passa a ser, exatamente, o de
processar o saber de acordo com seu significado, de modo que, a partir de uma
sociedade da informação, se possa construir uma sociedade do conhecimento.
Essa não é uma tarefa
que um professor possa realizar sozinho, na solidão de sua sala de aula, mas
exige uma postura nova do grupo de professores: uma nova forma de encarar seu
trabalho e sua profissão, uma nova maneira de compreender seu papel, uma nova
concepção de currículo.
Em 31 de março de
1999.
[1] BERTICELLI, Ireno
Antonio. Currículo: tendências e filosofia. In: COSTA, Marisa Vorraber
(org.). O currículo nos limiares do contemporâneo. Rio de Janeiro,
DP&A, 1998.
[2] SACRISTÁN, J.
Gimeno. O Currículo – uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre:
ArtMed, 1998. P.89.
[3] CONSELHO NACIONAL DE
EDUCAÇÃO, Câmara de Educação Básica. Parecer nº 15/98 – Diretrizes Curriculares
Nacionais do Ensino Médio.
[4] Dicionário Aurélio
Eletrônico, v.2.0. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1996.
[5] Dicionário Aurélio
Eletrônico, v.2.0. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1996.
Verbete: projeto
– S. m. [Do lat. projectu, 'lançado para diante'.] 1. Idéia que se forma de
executar ou realizar algo, no futuro; plano, intento, desígnio. 2.
Empreendimento a ser realizado dentro de determinado esquema: projeto
administrativo; projetos educacionais. (…)
[6] Um exame mais
extenso da questão da “autonomia” da escola encontra-se em ABREU, Mariza. Organização
da Educação Nacional e Legislação Vigente. Brasília, 1998. Mimeo.
[7] BRASIL. Constituição
(1988). Porto Alegre: CORAG, 6. ed., 1998.
[8] ABREU, Mariza. Op.
cit., fl. 81.
[9] O.C.D.E. Escuelas
y calidad de la enseñanza – Informe internacional. Madri/Barcelona: Centro
de Publicaciones del Ministerio de Educación y Ciencia/Ediciones Paidós Ibérica
S. A., 1991, p.92. (Tradução do relator).
[10] Os países-membros da
O. C. D. E. são: Alemanha , Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Coréia do Sul,
Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Grã-Bretanha, Grécia,
Holanda, Hungria, Irlanda, Islândia, Itália, Japão, Luxemburgo, México,
Noruega, Nova Zelândia, Polônia, Portugal, República Tcheca, Suécia, Suíça,
Turquia.
[11] O.C.D.E. Opus cit.,
p.24. (Tradução do relator).
[12] Ramagnani, Delia.
Formación ética como contenido transversal. Buenos Aires, 1998. Mimeo.
(Tradução do relator)
[13] Ver, a respeito, os
trabalhos de Decroly e Kilpatrick, sobre os “centros de interesse” e o “método
de projetos”.
[14] O.C.D.E. Opus cit.,
p.24. (Tradução do relator).
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