quarta-feira, 30 de agosto de 2017

DOCUMENTO HISTÓRICO

Aproveitando o questionamento em relação ao documento histórico. Como você intepretaria essa foto tirada na Segunda Guerra Mundial de um grupo de americanos levantando a bandeira de seu país?  Depois de respondido a pergunta asssta ao filme A Consquista da Honra, de 2006,  dirigido por Clint Eastwwood e escrito por William Broyles Jr. e Paul Haggis depois de ler esse artigo.  





Se o documento é a base para a pesquisa e veracidade da História então caso uma civilização que não tivesse nenhum vestígio histórico, seria essa civilização tida como inexistente para profissional da História? Já que o documento é tão importante para a produção da história vem outra pergunta: o que é documento histórico?

Para responder a ultima pergunta devemos considerar qual memória deve ser preservada pela História. Como determinado grupo e determinada época consideram que aquela folha escrita estivesse na categoria e importância de um verdadeiro “documento histórico” e por isso o guardou para nós do presente?

A carta escrita por Pero Vaz de Caminha ao rei de Portugal só tomou importância mesmo em meados do século XIX (mais de quatrocentos anos depois), pois dependeu do crescimento do orgulho português pelo passado épico das navegações e no Brasil por este no século XX estar em crescimento do seu nacionalismo. O documento não é um documento em si, independente do mundo a sua volta, há um diálogo entre o interesse do presente e o documento; todo documento histórico é uma construção permanente. Mas não bastassem essas variações há outras: variam também os agentes que a lêem permitindo leituras opostas. A intenção particular da primeira variação junta-se com a intenção particular da segunda variação, pois o documento possibilita ais leituras variadas.

Essa mutação do documento tem relação com o interesse do presente por tais personagens ou fatos. Não existe fato histórico eterno e sim um fato que consideramos histórico. Assim, a determinação do que é fato e documento histórico demonstram nossa visão e interesse pelo passado, em um diálogo entre visão contemporânea e as fontes do passado. Insistir em atribuir um diálogo é ir contra as idéias de um grupo de historiadores do século XIX, positivistas, e muitos historiadores pós-modernos (meados do século XX). Sobre o que é documento histórico o primeiro acreditava que apenas o texto escrito o era e assim sendo era a “prova histórica”; o segundo, depois da ascensão de diversos campos de estudos da história como História do Gênero, do Corpo, da Criança, do Cotidiano, houve uma amplitude enorme do termo “documento histórico”. A História Serial usará então o documento apenas envolvido em um conjunto de documentos para ser valioso, sozinho não existiria como documento, por isso é chamada de História Serial, por sua análise documental serial. Surgem temas novos como a História do Bolo de Casamento e toda uma reflexão em volta desse meio como os tipos de bolo na História inglesa, as mudanças no ato de cortar o bolo de casamento. Essa atomização dos objetos clássicos da história despertou reações negativas; mas o mais importante é aqui é destacar que essas mudanças implicaram profunda alteração do uso e conceito de documento histórico.

O que provocou tal ampliação do objeto foi a consideração ampliada do que é documento histórico; Marc Bloch desejou isso considerando que tudo que é produzido pelo homem deve ser considerado documento histórico. Essa ampliação fez com que a história tivesse um diálogo com outras disciplinas como a Antropologia e a Sociologia, coisa que a história tradicional não tinha. O que isso tem a ver com o documento? Amplia a noção de documento, não é apenas o que é escrito considerado documento histórico e sim tudo produzido pelo homem. Mas não foi só isso que permitiu essa ampliação. Vejamos no campo das artes plásticas. Perdeu-se seu campo definido na pós-modernidade, o novo conceito de belo permitiu produções que eram tidas como ridículas até então. O período de redefinição conceitual expandiu-se em todos os campos do conhecimento. Mas é bom ressaltar que nem sempre a mudança do objeto estudado pela história implica na mudança radical do documento, a grande diferença está no tipo de leitura do documento que pode mudar o olhar sobre este.

Talvez a mudança mais expressiva não esteja no novo objeto estudado pela história e sim no novo estatuto epistemológico sobre a “verdade” no documento; o que é documento verídico. Muitos historiadores do cotidiano praticam uma metodologia similar ao do detetive ao extrair informações indiretas e ocultas do mesmo documento tradicional (texto escrito) ou acrescentando documentações novas (tudo produzido pelo homem) para suas análises.



Mas o que garante a autenticidade do documento? O que o torna autentico? Todo objeto de valor pode ser alvo de falsificação quando se está em jogo um fato importante. Os nazistas falsificaram objetos arqueológicos para justificar sua ocupação na planície germano-polonesa alegando que os alemães já a habitavam antes dos poloneses. Se hoje dispomos da Química e da Física para valer a veracidade documental, antes não havia tal ferramenta, então desenvolveu-se métodos embasados paleografia e a filologia, que são o estudo da linguagem e escrita datando sua origem. Vamos levar em consideração que no século XIX, os Estados nacionais que tomaram a frente de preservação e coleta dos documentos publicações de artigos. Temos no Brasil o Instituto Histórico e Geográfico que no século XIX fez esse papel. Por tanto, o que era tido como documento histórico era aquilo que interessava a tal Instituto e para o Estado, o que faz algo documento histórico não é o documento em si, mas as intenções de quem o procuram.

Então documento é tudo aquilo que num determinado momento decidir que é um documento. Isso nos leva a outra afirmação: o documento só existe em relação ao meio social que o conserva. Há fatores que tornam um documento mais importante que outro. Mas quais fatores seriam esses? Um documento com mais dados seria mais importante. Mas o fato de um documento ser mais raro é um pouco ambíguo. O que é importante para um colecionador pode não ser importante para o historiador, pois para esse o documento deve ter ser útil para analisar toda uma teia social que revelam estruturas ou informações de dada época para ser valorizado. O autógrafo de John Lennon não é tão importante para um historiador e sim o fenômeno da beatlemania. Um boletim artes de Pablo Ruiz Picasso tem o estatuto de documento pela importância do autor de Guernica.

Mas então um documento é um registro de alguém famoso? Não. Se Picasso não fosse famoso, seu boletim seria usado para estudar as concepções educacionais espanhol. Vejamos outro exemplo. Uma carta de D. Pedro II a sua irmã Januária em 1870 contendo conteúdos sobre a Guerra do Paraguai, sobre questões relativas ao surto de febre amarela no Brasil e de assuntos familiares e pessoais. Apesar dos fatos relatados na carta ter acontecidos bem antes de escrever a carta, essa carta se tornou importante pelo fato de ser D. Pedro II quem a escreveu. Esse documento em si não tem tanto valor histórico, mas o que o torna histórico é quem o escreveu. D. Pedro II se tornou importante personagem histórico bem antes de escrever tal carta. Logo então, foi o passado de D. Pedro que deu ênfase histórica a tal carta. Ocorre aqui um “jogo de espelhos” em que um documento reflete sua importância e valor para outro, no caso, a carta de D. Pedro II.

No entanto, o documento pode trazer um dado que nenhum outro traz e pode criar uma nova visão. Imagine caso aparecesse uma carta da irmã de D. Pedro II, a condessa de Barral, comentando fatos desconhecidos até então? O documento histórico é um texto que fica entre a capacidade arbitrária muitas vezes intencional do historiador (e também de uma sociedade como já vimos acima) e o próprio conteúdo desse documento. Entendeu? INTENÇÃO E ARBÍTRIO – DOCUMENTO – CONTEÚDO CONTÍDO. Por tanto, para os que duvidam por duvidar e proferem a frase “será que isso tudo realmente aconteceu?” fiquem sabendo que o documento não pode dizer totalmente a ‘verdade’ e também o historiador não manipula totalmente o documento. Entre essa “não pode dizer totalmente a ‘verdade’ ” e a “não manipula totalmente o documento” há um diálogo que impõe limites em ambos os lados; tanto na veracidade quanto na manipulação da informação documental.

Mas não vamos esquecer que, como demos os exemplos da carta para D. Pedro II e o boletim de Picasso, a existência de um documento é, em geral, também uma combinação muito delicada do acaso e da consciência ou intenção.

Levando em conta tudo isso dito acima, podemos supor que o grande limite da função do historiador é o limite do documento. Ele é que tem a chave de acesso ao conhecimento do passado; ele, o documento, é senhor que está entre o criador e a criatura, tornando-se também um personagem histórico.




Font: http://historianointerior.blogspot.com.br/2012/05/artigo-o-que-e-um-documento-historico.html